[ One shot ] O coração do Dragão Maior.

Antes de publicar este capítulo único, devo explicar umas coisas para deixar bem claro e não confundir a cabeça de ninguém.
Este oneshot é baseado tanto na série Merlin exibida pela BBC, quanto em ocorrências do famoso romance de cavalaria As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley. Não estranhem alguns fatos, pois tirei-os dessas ficções. Como todos sabem, o personagem lendário, Arthur Pendragon, sente amor fraternal e não-fraternal por sua meia irmã, Morgana Le Fay. Sendo fã desse casal proibido e incestuoso, resolvi escrever uma cena curta, em primeira pessoa na visão de Morgana Le Fay. Foi uma brincadeira romântica que fiz, coisa rápida, não tão levada a sério, mas que gostei, e resolvi partilhar. Mas atenção, não esperem muito, é apenas uma cena, uma pequena homenagem.


Espero que gostem.

Meia-noite. Foi o que as badaladas do sino da catedral de Camelot anunciaram. Os cavaleiros já em seus aposentos. Uns dormiam nos braços de suas mulheres, outros eram cuidados por enfermeiros e pelo médico da corte. Fazia menos de duas horas que o exército de meu protetor, Uther Pendragon, havia se retirado do campo de batalha, com uma vitória no impedimento de uma tentativa de invasão anglo-saxônica. Eu estava preocupada, mas Arthur estava de volta, e isso já me era o suficiente. Contentei-me em recebê-lo apesar no dia seguinte, ao café da manhã, e já estava me preparando para dormir, quando ouvi duas batidas à porta de meus aposentos.


— Quem é ?
— Guinevere, minha senhora. Sua Alteza deseja ver-lhe em seus aposentos, senhora.


Ouvi a voz abafada de minha criada, Guinevere, do outro lado da porta. Arthur as vezes me pedia conselhos repentinos, sobre diversos tipos de assuntos, e mandava chamar-me as vezes ao meio da noite. E como boa irmã, eu lhe concedia. Irmã ? Fomos criados juntos como irmãos, após a morte de meu pai, Gorlois. E ele tinha por mim, afeição fraternal, creio eu,, apesar de já ter sido surpreendida diversas vezes por olhares tímidos, daquele oceano azul que eram seus olhos. Levantei-me e vesti meu roupão, encolhendo-me e abrindo a porta.


— Avise-o que já vou, Guinevere. Obrigada.


Guinevere executou uma reverência, e retirou-se. Saí logo após ela, indo ao quarto ao lado do meu, e batendo três vezes à porta, e logo após isso, ouvi a voz masculina e jovem de Arthur, pedindo minha entrada. Abri a porta, e fechei-a após adentrar o recinto de meu irmão. Ele encontrava-se sentado em um acento de madeira, sem suas roupas superiores do corpo, o que deixava à mostra as feridas recém-cuidadas em sua costa larga e forte. Ele já era um homem. Um homem forte. E um homem que acabara de voltar de uma guerra fadigosa, que o deixara completamente exausto, repousando suas mãos ao joelhos, quase não se aguentando sentado ali, com seus cabelos úmidos da água do banho que tomara e loiros, caindo-lhe sob sua testa, ainda corada pela ação de duas horas atrás.


— Mandou chamar-me a essa hora, Arthur ? - eu disse, com tom de reprovação.
— Sim.


Eu esperei que ele falasse mais alguma coisa, mas simplesmente deixou-se em silêncio, olhando para o fogo da lareira à sua frente, o qual a luz refletia em seus cabelos doirados de anjo, e ressaltava sua pele avermelhada, juntamente a seus olhos, agora, tão azuis em contraste ao vermelho do fogo.


— E o que quer de mim ?
— Quero que se aproxime, Morgana. - ele disse, após um suspiro, como se estivesse realmente cansado, até para um pedido.


Me aproximei devagar e parei atrás dele, que ainda permanecia de costas, um pouco zonzo, morto de cansaço. Ora, por que ele não dormia então ?! Senti receio dele desmaiar de cansaço ali mesmo e eu ter de acordar todos no castelo para socorrê-lo, mas agora houve mais um movimento. Ele estendeu uma das mãos antes apoiada em seu joelho, mas ainda sem virar para encarar-me. Pela primeira vez, eu me via contemplando a bela imagem de um homem jovem e belo, cansado pela luta, pela guerra, e isso me soou tão belamente, que me fez sentir uma criatura mínima diante daquele ser másculo que encarara a morte tantas vezes, e matava seus inimigos sem dó mas sem paixão. Não entendi o gesto que ele fizera, estendendo sua mão a mim, então, permaneci quieta.


— Vamos, dê-me sua mão.


Mais uma vez em silêncio, eu executei o mesmo gesto, estendendo minha mão direita, e repousando sob a dele e percebi o quão eu era frágil e pequena. Ele poderia esmagar minha mão apenas com um aperto, de tão delicada que ela passava a ser sob a dele, grande e firme. Fechou devagar seus dedos sob minha mão alva e trêmula, e conduziu a mesma até seu ombro, perto de sua nuca.


— Por favor. - disse ele, dando um leve apertão.


Entendi seu gesto, o qual deixava claro o pedido de carícia, ou massagem. Era normal em suas condições, precisar um pouco de conforto. Ele não possuía uma mãe, assim como eu. Não ousava em pegar uma criada minha emprestada. A única figura feminina absoluta que ele possuía em sua vida, era a mim, por mais que possuísse tantas damas aos seus pés. A figura feminina que ele venerava, era a mim, e eu sabia disso. Na verdade eu o adorava tanto quanto ele a mim. Brigávamos o tempo todo, ambos com orgulho acima do normal, mas sabíamos o que estava escondido realmente. Então eu concedi minha atenção, e repousei minha outra mão em seu outro ombro.

Apertei-o devagar, com minhas mãos pequeninas em comparação ao sinal bruto e masculino que sua costa passava. Inclinei-me um pouco, deslizando meus dedos vagarosamente até sua nuca, acariciando-a devagar, avançando mais, abrindo caminho entre os fios finos, delicados e tão loiros de seus cabelos. Nesse momento, eu ouvi dele, um suspiro pesado, quase um gemido, ao mesmo tempo que ele deixava seu corpo mais amolecido, relaxado ao meu toque. Mechas de meus cabelos negros e ondulados, tocavam-no às costas à medida em que eu me inclinava mais, ajudando naturalmente a relaxá-lo através desta outra carícia. Em outras circunstâncias, eu teria me enraivecido por ele talvez achar que eu sou algum tipo de criada, mas neste momento, sei que a única coisa de que ele precisava, era meu conforto e minha presença, como precisava nos momentos difíceis em sua vida.


Dediquei-me mais em deixá-lo mais relaxado, sentindo sua pele quente em contato com minhas mãos frias, que agora, lentamente, aquecidas se tornavam também. Continuei acariciando seus cabelos angelicais, puxando-os devagar, fazendo-o pender debilmente a cabeça para a esquerda, quase adormecendo, aquela criança necessitada de carinho, cansada de sangue e fadiga. Minhas mãos agora deslizavam-se mais para a frente, em seu pescoço, e neste momento, ele tocou-me com sua mão, repousando-a sob a minha, parando-me. Sem dizer nada, pegou-a e levou-a até seus lábios, e eu os senti beijando-me delicadamente, na palma de minha mão, ao mesmo tempo em que a acariciava com sua própria. Ele respirou fundo, dando-me a entender estar absorvendo o perfume de minha mão.


Aquele gesto vindo logo de Arthur, deixou-me estonteada e me fez respirar fundo, em meio à sensação dos lábios mornos e rosados do príncipe dourado em minha mão. Ele puxou-me após este gesto, pondo-me à sua frente, entre ele e o fogo que contemplava outrora.


— Morgana, por que escolhera chamar tanto minha atenção ? - ele disse, olhando-me em pé à sua frente, sendo ele ainda sentado, contemplando-me como se eu fosse uma Deusa, quase num lamento.


Eu não soube o que responder. De certo que neste momento meu rosto estava completamente tomado pelo rubor, mas eu não fazia ideia, e isso revelara minha vergonha extrema. Ao perceber isso, ele abriu um sorriso jovial enorme, que o fez também ruborizar, mais do que já estava. Levantou-se em um só movimento, como se tivesse pressa, mas então parou novamente para me olhar. Nesse momento, eu estava completamente tomada pela dúvida de sair dali às pressas pelo meu orgulho ferido, ou ficar, e tentar desvendar a mente e o mistério com que Arthur me olhava agora. Mais uma vez, o fogo realçava sua beleza diante de mim. Ele era a figura mais linda que eu já vira em toda a minha vida, naquele momento.


— Eu devia odiar-te. - eu disse, num impulso.
— Mas não odeias...


Ele respondeu-me quase que imediatamente, e pôs-se a tocar meu rosto com sua mão que estava ferida e enfaixada. Seus dedos tocaram-me com extrema suavidade, deslizando sob minha bochecha e então, meus lábios, pelos quais ele agora parecia estar hipnotizado. A mesma mão que empunhara firmemente uma espada afim de cravá-la na carne do inimigo, agora me acariciava com delicadeza suprema.


— … Sei que não odeias.
— O que diabos quer de mim ? O queres Arthur ? O que queres, sabendo que nada somos, além de irmãos …
— Cale-se …
— O que queres, quando me trata abaixo deste teu orgulho tolo, desejando apenas agradar a teu pai, e aqui, eu nada sou além de sua protegida...


E agora, ele segurou-me com força, com ambas as mãos em meu rosto, puxando-me, e num impulso quase desesperado, beijou-me aos lábios, com extrema suavidade e carinho. Ele era delicado comigo, mas agora seus dedos afundavam-se levemente em minha pele, como se fosse possuído por uma forte agonia. Senti os cabelos loiros que caiam sob sua testa, tocarem a minha, colando-se sob os meus, tão negros. Eramos opostos ali. Eu tão pequena e frágil diante dele, tão sombria com esta longa noite em meus cabelos, enquanto ele, era o verão renascido após o inverno, tão loiro, superando-me em força, estatura, tudo. E agora eu o beijava com fervor, sentindo sua língua contra a minha, a ternura que ele depositava em um só beijo. Ao parar, afastou lentamente, sem vontade o rosto do meu, mas deixando nossas testas coladas. Abriu os olhos, e me olhou nos meus, com tamanha veneração. Senti-me Rainha.

— Eu disse, “cale-se”. - disse ele, em meio a um sorriso, pondo-se a acariciar uma mecha negra de meus cabelos com a mão.
— Isso... não está certo. Não está.
— O que não está certo?
— Você...
— Por que eu nunca estou certo para você, Morgana ?


Eu suspirei, apesar de manter-me unida a ele. Nossas brigas começavam exatamente assim, mas ele parecia tão terno e disposto a me ouvir, que não senti raiva alguma naquele momento. Ergui uma de minhas mãos, e repousei-a em seu rosto angelical.


— Eu também não estou.
— Por que é errado ? Sabes bem que quando está presente em um salão cheio de damas, a única que me prende o olhar é você. Sabes o porque sempre que luto, o olhar que procuro na multidão é o seu. Sabes disso e muito mais, por que finges ?
— Deveria eu ter a certeza e mostrá-la, que meu próprio irmão me olhas como uma mulher e não como sua querida...
— Você é minha querida. Você continua sendo o que é. Mas não consigo enxergar uma mulher de verdade... exceto em minha própria irmã.


Me afastei. Dessa vez completamente. Dei-lhe as costas, insegura de meus próprios pensamentos e sensações. O ar me faltava um pouco e meu coração lutava para sair pela minha boca. Um turbilhão se sentimentos me consumiu naquele momento. Raiva, frustração, amor, carinho, paixão, medo... Senti a mão pesada dele tocando-me o ombro direito.


— Morgana. - ele adorava pronunciar meu nome. Eu sabia disso, pois toda vez que o fazia, era mais suave que da boca de outros. – Mesmo que case-se, mesmo que me proíbam, mesmo que seja... “errado”... Jamais. Jamais em toda minha vida amarei uma mulher, como amo você. Com todo meu amor... eu, Arthur Pendragon... falo como irmão e principalmente como homem, que eu a amo, a amo e a amo, como a única mulher do mundo, e a melhor irmã que um homem pode ter...

— Arthur...

— Saiba disso sempre, Morgana. Me perdoe se te causei frustração. Deixe-me sozinho agora.


Virei-me para encará-lo. Ele estava de cabeça baixa, fitando o chão. Realizara que era impossível, e sofria por isso por dentro. Antes de partir, puxei-o para um abraço caloroso e pus-me a sussurrar em seu ouvido, enquanto acariciava-o nas costas.


— Eu também o amo, Arthur. Não sabe o quanto.


E dizendo isso, desfiz este abraço e sai de seu aposento, respirando o ar que parecia agora tão mais leve, adentrando meus pulmões, ao mesmo tempo em que minha vista embaçava-se com as lágrimas que surgiam involuntariamente em meus olhos. Eu teria que conviver com isso afinal. Conviver com o fato de que sou uma irmã...

muito legal a história. Deu a entender como vc admira a Morgana...
Muitos outros escritores poderiam cair na vulgaridade, mas vc deixou a cena bela e poética, um pouco açucarada, mas ainda assim muito legal de ser lida.
Meus parabéns e espero sinceramente que aquela outra história sua esteja próxima de ganhar seu lugar ao sol viu?
Abraços e até mais!

Resgate escreveu:muito legal a história. Deu a entender como vc admira a Morgana...
Muitos outros escritores poderiam cair na vulgaridade, mas vc deixou a cena bela e poética, um pouco açucarada, mas ainda assim muito legal de ser lida.
Meus parabéns e espero sinceramente que aquela outra história sua esteja próxima de ganhar seu lugar ao sol viu?
Abraços e até mais!

Resgate, querido, muito obrigada, não sabe o quanto me deixa feliz ter um comentário seu aqui.
Craft está bem adiantado, mas quero adiantar mais para não deixar ninguém na mão. Tenha certeza que estarei enviando. Obrigada novamente! E sim, eu gosto muito da Morgana e do Arthur. Ambos tem personalidades muito diferentes, mas são intensos juntos.


Vampira *-----------------*
Que BOOM que gostou Tebh, me deixou muito feliz. *-*
Considere uma homenagem a você também que gosta tanto quanto eu! *-* Quem sabe eu não continue algo, talvez um pequeno conto!
Acho que exagerei um pouco nos "eu te amo", mas se tratando do pobre do Arthur, eu me empolgo.
Obrigada Tebh!

Já estava com saudades dos seus textos Faye. Perfeitos, magníficos, muito bem escritos como sempre! Precisa aparecer mais vezes e nos brindar com seu talento, mocinha!
Quanto ao one shot, muito linda e singela a história do amor proibido dos dois, o sofrimento de ambos os personagens foi muito bem marcado e o jogo do toque e das sensações foi escrita com maestria. O mais bacana é, justamente, a questão da responsabilidade do dogma pelo fato da posição social dos dois, e isso causa uma dose extra de dor e angústia. Amar e não tocar e a realidade deles, estão eternamente juntos como irmãos, mas distantes quando o assunto é o coração. Perfeito e parabéns.

Mr. Black escreveu:Já estava com saudades dos seus textos Faye. Perfeitos, magníficos, muito bem escritos como sempre! Precisa aparecer mais vezes e nos brindar com seu talento, mocinha!
Quanto ao one shot, muito linda e singela a história do amor proibido dos dois, o sofrimento de ambos os personagens foi muito bem marcado e o jogo do toque e das sensações foi escrita com maestria. O mais bacana é, justamente, a questão da responsabilidade do dogma pelo fato da posição social dos dois, e isso causa uma dose extra de dor e angústia. Amar e não tocar e a realidade deles, estão eternamente juntos como irmãos, mas distantes quando o assunto é o coração. Perfeito e parabéns.

Black, muito obrigada mesmo!!!
Qualquer elogio vindo especialmente de vocês três aqui, me deixam feliz demais.
E sim, eu me peguei atraída demais por eles dois, justamente por essa realidade de não poderem seguir adiante, mas sem jamais abrir mão do amor tanto fraternal, quanto não fraternal.
A maioria das pessoas obviamente (e corretamente também), quando se fala em incesto, pensam apenas mais pro lado sexual da coisa, mas eu acho mais bonito pensar no sentimento que há entre irmãos, que se gostam como irmãos, mas também como homem e mulher, proibidos. É romance trágico. Isso não tem nome ainda, eu acho.

Obrigada!

Cara...
Que fantástico...

Você articula palavras, extrai emoções, intercala pequenos atos e detalhes..... Fantástico. Devo dizer, correndo o risco de parecer estranho, que eu fiquei tocado com esse romance.



=]

No mais,
Lindo, lindo!